23 de novembro de 2010

Um brinde abaixo da Abóbada

Ouça, encontrava-me assentado na cabeceira de uma mesa de madeira vigorosa, longa e pesada. Era uma mesa escura, com desenhos bem talhados e com detalhes em dourado. Em cima dela havia uma taça, inundada de um inominável líquido. Nada havia de definido em sua imagem, pois ela transformava-se, pouco a pouco, mudando tudo em si. Sua textura, cor, e forma, como uma boate agitada vista de trás para frente, em câmera lenta.       
Sobre a mesa e tudo de nós, havia um alto teto de vidro. Sobre tudo de nós, um céu negro, de poucas estrelas. Não me movia. Não por não querer. Mas queria ver aquele cálice mover-se primeiro, queria admirar antes a sua entrega. Não deveria tirá-lo de vista. Sentia, como que estranhamente preconizado, que se eu piscasse qualquer um dos olhos, para mim, ele desapareceria.
Não sei bem desde quanto tempo estava ali. Que fora eu fazer naquela sala sem portas, como cheguei, e quem era o dono de tal festa enigmática?   
Após a mesa, no final do tapete que encobria todo aquele espaço suntuoso como castelo medieval, em uma parede alta como a abóbada envidraçada em seu fim, havia um espelho enorme e majestoso. Ele refletia muito além de minha figura e de minha posição. Além de tudo o que não podia ver de meu outro lado, daquilo que não podia olhar. Fiquei anos e mais anos em frente à mesa. Quando então me deu uma oscilante dor no corpo, aguçada e pontuda, de cima para baixo e vise-versa, e meus olhos que estavam secos, como folhas na estepe, piscaram enfim. Com medo confesso, eu os fechei rapidamente, com temor de que por isso, por minha falha, o mundo desabasse em cima do meu frágil teto.
Não me alterei um centímetro. E logo depois, não percebendo tremor algum de terra, os abrir lentamente. Paulatinamente. E como tudo era por fora estático, como gravura esboçada, meus olhos pareciam tirar fotos a cada grau de abertura. Fotos pequenas primeiro, que pouco a pouco iam crescendo, até estar ele totalmente aberto. Pasme com meu arrepio ao ver a taça, ainda lá, indiferente à minha reação diante dela. Estava ela, sobre tudo de nós, com sua constante mudança. Levantei incrédulo, diante dessa frieza dissimulada da taça, dei uma volta completa na mesa apenas olhando para a taça em todos os seus ângulos, somente pra ela, nada mais. Eu à vi de longe e de perto, quando estava eu distante ela crescia, e a mesa se tornava proporcionalmente menor e quando chegava perto, onde por anos estive, tudo era novamente igual aos meus olhos, parado, sem diferença alguma, a não ser a taça que nunca era igual..
Fui então ao espelho, dando as costas à ela. Então agora estaria, a mesa, a taça sobre tudo de nós, eu e o espelho, em linha reta. Já não podia vê-la sobre a mesa, pois me contemplava, a mim e a todo o meu ser, era um espelho mágico, onde podia me ver por dentro, não apenas minha anatomia, mas meu tudo. Conheci-me totalmente frente ao espelho, sem piscar, sem medo do que encontraria, do era ser eu, do monstro que podia me mostrar. Fiquei, nesta descoberta, anos e anos, até um dia, me virar, e não vi mais a taça em cima da mesa. Apenas via sua sombra, era como se ainda estivesse lá, invisível aos meus olhos.



[Robson W.]



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