25 de novembro de 2010

Letras mentirosas


Escrevi um livro.
Quando terminei escrevi outro,
daí não parei mais.
Tive que me considerar um escritor famoso,
Então escrevi outro livro, e publiquei, e fantasiei;
menti;
me enganei;
Daí para eu enganar os outros foi um pulo.
Ah! Se tivesse posto no papel meu primeiro livro,
não estaria nem escrevendo isto.


[Robson W.]

Grãos de perto


É preciso ser produtor de grãos.
É preciso tocar na terra;
e deixa-la molhada.
É preciso olhar nos olhos;
e faze-los enormes,
pra mostra algum contato.
É preciso sair pros cantos;
viver os outros,
e tira-lhes o amargo.
É preciso escrever um pouco;
fazer tudo de novo;
e remodelar-se.
É preciso ver os filmes;
sair pro mundo,
que se vê distante.
É preciso ir longe,
e se ver de perto.


[Robson W.]

Indicações do saber amar



Quando te vi pela última vez pensei que não daria mais.
Não me encontrei na rua.
Não cambaleei meus passos, mas,
que rua era aquela?
Não senti descer nenhuma gota secando no chão,
mas, que rua era aquela?
Não me senti só, posto que nem me encontrei.
As arvores não tinham sombras. Ao menos, não as sentia.
Era tudo quente demais.
Não sei escutar a solidão.
Até a recebo em minha casa, mas não a abraço.
Não articulei nada.
Fiquei quieto, deixando o vento me atropelar.
Mas não o sentia.
Estava quente demais pra sentir qualquer coisa.
Que rua era aquela? E as tuas sombras? Teus galhos? Tuas folhas?

As costas não se voltam para nós, nós que olhamos para elas, e por isso, a vemos indo .
E sei que quando não se voltam é porque não querem voltar.


Mas eu estava ali, naquela rua.
Que rua?
Algo parou pra me olhar, desinteressante.
Eu sei que falavam de mim.
Alguns dizem coisas boas. Outros apenas preferem não se envolver.
A não ser com seus cristais.
Mas eu? Eu estava lá. Eu me vi de fora.
E só agora que fui me encontrar.
Eu não sei amar.
Nem me achava capaz de aprender.
Mas quando te vi pela ultima vez,
pensei que era tarde demais.


[Robson W.]





Noite velha

  
         Durante toda a madrugada chovera. Houvera um interminável estalido noturno. Chuva grossa e forte; água que mata e morre chegando ao chão. Por força de expressão era dia. Mas nada havia de claro. Já passara das sete da manhã, mas a negritude não se dissipara. Já deveria ter ido aveludar outros cantos da terra.
         No andar  abaixo ao meu tossia uma senhora, tossia muito mesmo. Caturrava, gruía, vomitava, calava-se, e voltava a repetir tudo aleatoriamente.
Ela poderia morrer a qualquer momento, não que desejasse isto, mas sim, poderia. Queria poder estar do seu lado, deitar no outro lado da cama e escutar de perto ela se esvaindo. Não vejo nada de sinistro nisso. Mas digamos que fosse a hora dela e não pudesse eu fazer absolutamente nada. Queria poder ver a tosse calando o seu pequeno coração, batendo um pouco menos de saudades. E ver enfim, como se comporta alguém no segundo final, em seu último olhar de vida.


[Robson W.]

Ps: Os contos do Poe vem me tirando do eixo, me assusto com isso. :]


Brutal visão

          
           Esta noite tive um sonho estranho. Estava eu em um sinal, dentro de um carro, com ele parado. Eu me encontrava no banco do passageiro e quem dirigia o carro eu não sei. No entanto conversávamos muito, sobre meu futuro e minha vida, como ela seria mais para frente. Também sobre as decisões que teria que tomar e tudo relacionado a isso.
          O carro estava parado como disse, mas não havia outros carros ao nosso redor, apenas o sinal estava fechado, fechado estranhamente com o semáforo brilhando na cor verde. Não me pergunte o porquê, você deve saber como os sonhos são esquisitos. Mas sim, de repente, percebi que se aproximavam dois rapazes - ao longe - mas sabia pela silhueta e vestimentas que eram homens, e pelo andar se mostraram jovens eles. Continuei então a conversar com o motorista do veiculo que estava. Mas os homens estavam vindo em direção ao nosso carro, que ainda continuava parado, e comecei a descobrir como eram suas faces, e não eram agora tão jovens como aparentavam serem de longe. Tinham na faixa de uns vinte e oito a trinta anos.
            Seus olhares que continuavam na direção do carro, pareciam me conhecer, ou talvez o motorista. Chegaram mais próximo, eles não tinham andar apresado, eram moderados e objetivos, andar dos que buscam muito algo, muito parecidos com o meu alias. Estavam eles agora a uns sete metros de distância, essa era a distância necessária para que suas almas me atravessassem. Dessa distancia me assustei, pois já aparentavam ter uns quarenta anos e fiquei já muito atento.  Não conseguia mais desviar a atenção deles. A cada metro que vinham, era por volta de dez anos que neles se acrescentavam. Eu comecei a ficar aterrorizado com uma coisa tão fora do normal, e gritei ao motorista:

- Vamos, vamos, o sinal está verde há muito tempo, podemos ir!
            Mas não havia mais ninguém ao meu lado, e me lembrei numa fração de segundos que eu tinha parado o carro ali, e depois tinha ido para o banco do passageiro. E tinha ficado todo este tempo conversando sozinho, comigo mesmo, pensando que havia alguém ao meu lado. Então os que eram jovens se tornaram senhores e chegaram na frente do carro, agora sim o sinal eu podia ver vermelho; e eles então, com objetos finos como navalhas, avançaram para cima de mim, pelo vidro do carro que estavam abertos. E quando percebi que ele iriam me ferir, tentei fecha o vidro, porém por mais que rodasse a alavanca o vidro não subia, era tarde demais para qualquer reação.

Então cortaram meus braços, meu rosto e minha barriga, com várias “navalhadas”. Eu não gritava nem pedia socorro, pois sabia que estava só, apenas tentava me defender diante da brutalidade, dos jovens, que foram homens, e depois velhos.
Eles por sua vez, tinham sons de animais, em luta e violência, rufavam e gruíam. E seus olhos em nenhum momento de seus atos eram de maldade, eles continham a pulsação da tristeza, como se eles tivessem que fazer aquilo comigo, como se aquela fosse suas naturezas. Quando terminaram eles se foram, abatidos, mas sem nenhum choro ou lamentação. E eu fiquei só, com a respiração forte, adquirindo até um pouco do rufar deles.
            Fiquei um tempo ali parado, com o corpo inteiro sangrando, e então me perguntei:
- Porque tamanha força?! de onde vem essa seiva?!
Não fez sentido aquela minha pergunta “de onde vem?! a força?!”

Então uma voz ao meu lado me disse
- De ti! A culpa dessa força bruta é tua!
Quando olhei para o banco do motorista, lá estava eu, era como se me visse em um espelho com vida própria. Ele também sangrava muito.
- Você tem que saber a hora de ir e o que deve fazer!
E então ficamos conversando, conversando coisas que nem lembro mais.
De repente estava eu no barco do motorista, fui para lá sem perceber, pois mesmo mudando de lado, ainda continuei conversando comigo. Sabe, como carregar um recém-nascido enfermo, ele não percebe qualquer mudança e lugar porque sua pequenez contém pouca vida.
Olhei para o meu corpo, e vi que o sangue havia estancado, deixando enormes cicatrizes.
Fiquei parado, pensando. Olhei para o sinal, estava verde. E quando olhei para a esquina vinham dois rapazes, igual de longe com os anteriores, e uma voz gritou muito alto no meu ouvido, quase me ensurdecendo:
- Vai. É a hora certa para não acontecer, o segundo antes do segundo tarde demais!

E arranquei com o carro, dobrei a esquina, e os jovens, homens e velhos vieram correndo atrás, com sua triste metamorfose. E em todas as esquinas haviam jovens saindo delas, agora em trios, grupos, bandos, em famílias, em seitas, em organizações. Agora não só homens mas também mulheres, todos alterando-se com o passar do tempo. Me senti asfixiado, sem saída;  tudo ao meu redor fatalmente me brutalizaria. Acordei, animalizado.



{Robson W.]

24 de novembro de 2010

Cão bêbado

          
            Vi o cão andando na rua; balançava o corpo ensopado de chuvinha rala; cansado. Rendido pela madrugada; já nem suspendia o rabo bêbado. Cão de rua, cachorro do mundo, balançava cambaleantemente suas pernas finas. Andar desconcertado, andar tremulo, típico de cachorro de pêlo marrom, produzido na mestiçagem das ruas. Ninava sua fome de dia a pedir; ninava-se pela madrugada; suportava ainda seu corpo de cachorro quente depois de um dia ensolarado.
E da noite caia a fina chuva, pressagio de forte tempestade nesta região do planeta. Vinha ainda o animal, relutando-se com seu destino de cachorro, desviando de motos e pneus de gente sua bundinha magra e nada sedutora. Exausto de sua longa jornada de atravessamento de ruas, entranças em lixos, procuras de restos. Não procurara ossos, isto é coisa de gibis e propagandas para animais domésticos. Propagandas de biscoitos caninos em forma de pequenos ossos para engasgar gargantas. Caçara carne, restos de carne.
Não procurara afeto, afeto de gente; isto era coisa para animais domésticos também; encoleirados ancestralmente no habito de cheirar a xampu anti-carrapato. Carinhos na cabeça, nunca lhe deram; somente chutes e caretas, coisa que às vezes achava até graça, mesmo sem ter sorriso para demonstrar.
            Que fazia na rua um cachorro quente deste, numa hora desta; para onde iria; e sua mãe? Mas bêbado que um tonel de cachaça; Desequilibrado, com o respirar atravessado. Pobre, doente, sem parentesco; sem planos para o dia seguinte, sem festa para comemorar aniversário; urfando, como quem sabe que cairá no canal bem à frente e morrerá pela ultima vez.
            Encosta na beirada do canal para descansar as finas patas a feder mazelas. Deitou seu corpo na beirada frágil como quem sabe que cairá e morrerá, mas nada pode fazer pelo seu destino. Encostou sua cabeça na pedra solta, que estava à espera de rolar a qualquer momento, e matar alguma coisa antes de se afogar na sujeira de desconhecidos. Apoiou seu rosto, fungou algo misterioso, e rolou canal abaixo.
            Não retornou mais a superfície. Apesar de o canal não estar totalmente cheio, não voltou a olhar outra vez o mundo. Não quis, não achou que veria um outro mundo se tentasse lutar para viver; foi um quase consentimento entre a profundeza das águas sujas e aquela carcaça viva. Antes de seu ultimo instante cego de vida ousou pensar: haveríamos de nos unir.


[Robson W.]


23 de novembro de 2010

Vida de lã


           Minha vida é curta, pois tem apenas três segundos...
            O que passou. O que eu estou. E o que virá. O que passa anda atrelado em minha lembrança, que diz: Sobrevivi!
            O que estou, é o que me torna vivo e em eterna dependência,
            E o que virá, é o que deixa a mais incoerente de todas as saudades. Saudade precoce daquilo que nem se viveu ainda. A saudade do que se vai um dia, para sempre.
            O segundo - passado, eu posso construir, como um novelo de lã que deixo pelo caminho. Eu determino como eu quero seu trajeto, mudando da minha maneira, porém, com apenas uma chance para essa mudança; não por inexistir possibilidades - ao contrário, há várias - mas por ser um momento único, um único segundo. O segundo-futuro, este sim, eu não posso modificar, pois é dele que eu recebo a linha do novelo, bruta, como me é dada. O passado é certo(menos a compreensão), o presente é tudo, e o futuro é indeterminado. O depois é o único segredo deste jogo perfeito, e o antes é o verdadeiro sonho que nos guia em frente.
            Quando esta linha chega em minhas mãos, eu não a posso modificar de imediato, pois corre o risco de ela ser cortada – desastradamente - por mim.  Coloco então minhas mãos no passado, e então sim, transformo-a da maneira que quero que seja e fique em minha mente, como lembrança.
            Não se pode arriscar mudar o presente, pois é muito perigoso. Nem o futuro, pois é incerto e misterioso, não se sabe quando a linha lhe será cortada, nem que te fornece.
            Que contra-senso tudo isto; ou o reverso. O que existe nas minhas costas também olha diretamente minha face.


            Belo e aflitivo novelo de vida bruta. És imenso de tal maneira, que nem sei o que faço contigo às vezes. Talvez, não haja fornecedor. Será criador e próprio novelo? Pareces estar sempre entre minhas mãos entrelaçado; rodeando estes minutos que sequer vejo como reais. Ciclo, que não sei onde começa nem onde acaba. Como o horizonte, em que suponho outras existências.
            Três segundos, apenas. Sim, daquilo que encontrei criado, uso apenas isto para viver, três trêmulos segundos.
            Já que há escolhas, prefiro acreditar que este tudo existe. Independente da forma como tudo vem a mim.


            Faço então com minhas mãos desenhos nesta linha. Uns pequenos e outros grandes - lembrando que quando a ponta inicial do novelo lhe é dada, você não sabe o que - nem como - desenhar nela. Entretanto com o passar do tempo você vai aprendendo e aperfeiçoando, por si só, ou observando outros desenharem, colorirem e enfeitarem seus novelos. É triste para alguns saberem disso, mas: Parte de nós vive o passado sempre.
            Sei que há uns que cansam a todo o instante de fazerem isso. Outros, julgam divertido e prazeroso. E há os que simplesmente decidem parar. Em meus segundos-passados, tudo que foi feito, foi feito da cor que quis, da forma quis, com as falhas e adereços que quis colocar.  A ultima e eterna fração do presente, portanto, não é começo de uma lembrança, é fim. Pois esta curta vida de três segundos, ocorre inversamente do que uns pensam. E sempre que quero recordar o que fiz há muitos segundos atrás, paro - sem que o fornecedor perceba - e volto a linha do novelo como uma fita, até a parte que quero rever. Porém em algumas partes não há como ver mais o que fiz, ou por não ter feito direito, ou porque fiz sem dar importância ou porque fiz propositalmente de maneira pra não poder presentemente recordar.
            Há um outro importante detalhe, não posso pôr os meus pés no segundo-futuro, meus pés estão sempre no segundo-presente, e minhas mãos ininterruptamente trabalhando o passado. Não se pode fugir a ordem natural das coisas, portanto se você parar de construir o passado, o tempo pára também, não lhe é dado mais novelo bruto. A vida são três segundos que não param de acontecer... tão rápido e brusco, que é natural que a enxerguemos de uma maneira diferente. Pasmem, mas nosso pensamento é lento – ou sonhador demais - para perceber a vida desta forma.
            E cuidado! Pois às vezes - como já aconteceu comigo - lhe dá uma súbita vontade de puxar a linha, pra ver logo quem é o misterioso fornecedor, mas os que puxam a linha, na verdade são puxados por ela, porque ao contrário do que parece, a linha não vem, ela sempre vai. Você tem sempre que está em movimento com o tempo. Não é uma força inerte nem  continua, e sim algo que te puxa suavemente, e você têm sempre que estar atento pra não colocar força demais, nem de menos, pois pode ser tragado pelos segundos que te cercam.




[Robson W.]

Por desamor a mim


E se por dentro dessas águas não encontrar nenhuma mão?
Qual vazio existe, entre as escolhas que fiz pra que não sofressem por mim, e a minha própria felicidade?
O vazio da incerteza?!
Até quando poderei viver sem amor?
Esse ar que seguro para não cair de joelhos, que me asfixia dia a dia.
Sei que tenho me agüentado muito pra não chorar.
Também para que não explodisse; saindo de mim, um pedaço de palavra pedindo que reconsiderasse minha loucura.
Já alguém que me compreende minha insanidade, me perdoa, pedindo perdão, doe como a verdade de que realmente serei um pouco infeliz.
Pedindo-me perdão por ter me amado; por ser mais forte que eu; mais afortunado e corajoso por deixar de amar pra seguir a vida.
Queria que me odiasse, pra que não sentisse culpa e pena de mim mesmo.
Para que ao menos fosse um complicador de vida.
Queria ser um criminoso dentro de minhas próprias paixões.
Ser chamado: de safado, depravado e imoral.
Já tentei fingir que era, mas, me encontrei depois diante do espelho, que nem por bondade me escondeu quem sou. Um completo mentiroso.
Maldito espelho real.
Quero ser dilacerado pela flor que brotar no meio de uma sala desocupada.
Ferroado pelo instante inicial que arde da caótica existência.
Por desamor a mim, nunca me peça perdão, dói demais.



[Robson W.]


Jornada Infinda


Vai João, vai Maria
Entrega esse tesouro
lá na casa de tua Prima Vera.
Ei João, ao ires intimida!
E faz germinar de ti o brilho
para alumiar,
jornada infinda.
Maria, não esqueça
quem tu és.
Esse mundo é crespo,
mas lembre sempre
está somente,
sob teus pés.
Vai João, vai Maria
Esquece o tempo
que passou,
e lembra que tudo
é roda viva.
Rei João, é tudo escuro,
E assim como as aves
podem guiar teu amanhã,
poderão também elas,
invejar o teu futuro.
Maria,
não pare até chegar,
não deixe vestígios,
Canse Maria, mas não morra no cortejo.
Ousarão na ida sufocar desejos?
Não se calem, nem gritem,
não voltem,
não voltem,
não voltem, repito!
Se a noite chegar,
prestem os dois atenção,
E havendo estrelas no céu,
Saibam, é tudo ilusão!
O real está dentro e perto,
ligeiramente absurdo.
Vejam, há como contar
com a mão, os cacos que
estilhaçados,
arruínam o mundo.
E se hoje você quis tanto e não deu,
após tentar planar, caiu
pelo vôo que morreu?!
Deixem tudo ser pó,
permitam tudo ser seu.
Só não perca o tesouro,
João e Maria,
que guardei, bem dentro,
quase oculto,
nos olhos teus.



[Robson W.]

Quereres



Quero tudo aquilo que me é privado,
Além deste aquilo.
Quero amor sem gorjeta.
O amigo mais estranho.
O sexo mais impossível.
A posição menos cômoda...
Sim, falar no palanque
a ousadia que é viver!
E os risos ao acordar...
sem prendê-los ou comedi-los..
no pé do ouvido, no pé da cama,
de novo,
eterno e explosivo..
Cansei de ser menino,
de ser adulto,
ser velho,
Quero ser um pouco mais criança.
Voltaria a ter medo de filmes de terror,
cair da bicicleta sorrindo,
E rir ...e rir pro infinito.
Quero ler o que me dão.
Quero ver as palavras...
Como saindo de um sonho.
Caindo... caindo...
E do amável mais venenoso...
extrair o meu combustível...
Quero meu sonho oculto de cabeceira.
O devaneio que devemos realizar.
E a risada de antigos parceiros.
Os gritos;
corridas;
estalidos.
A festa;
O lampejo do primeiro beijo.
A delícia do primeiro crime.
O encanto noturno de ser louco...
E... ah! bebedeiras de manhãs.
O dia chegando e o mundo indo.
E o suspiro,
na praia,
já rouco.



[Robson W.]



Cintilar momento

       
     Estava em cima da laje da casa, olhado as estrelas enfileirando-se em suas ligações quase impercebíveis. Estrelas são algo que não consigo esquecer. Assim como o rosto de uma das minhas primeiras professoras. Nilza, ela era linda, tão jovem e tinha um sorriso divertido. Será que ela morreu?! Não, não, não pergunto da professora, mas da estrela que acabei de ver se apagar. Estava olhando somente para ela, prestando atenção em seus movimentos, e ela sumiu. Era tão bela, com seus traços circulares e seus braços brilhantes, quase desejei tê-la, a estrela. Quando não fazia a “tarefinha do lar”, ela mandava levar um comunicado para mãe, e no outro dia queria a última linha assinada, Maria Nelma. Eu falsificava, minha mãe tem uma letra fácil, ela morreu? Não, não estranhe, eu falo da letra, a portuguesa. Como posso apenas lembrar disso em cima da casa?  Quão belas são as estrelas, quero possuí-las a todo o momento. Queria guardar no bolso. E depois de cavar a terra, lá pertinho da muda de goiaba, plantá-la para ver se cresce, se pulsa, se brilha no chão. Sei que é enorme, mas um pedaço pequeno de estrela ainda seria estrela, minha pequena estrelinha. Quero ser criança de novo, e ver o rosto de Nilza, será que existe rosto igual? Se visse na rua saberia. Crescendo, igual planta, brilhando como luz queimando. Sou tão miúdo diante de tudo, e os pequenos podem desejar sempre. Como queria um pedaço de estrela, para plantar e nascer estrelas em meu quintal.



[Robson W.]


Um brinde abaixo da Abóbada

Ouça, encontrava-me assentado na cabeceira de uma mesa de madeira vigorosa, longa e pesada. Era uma mesa escura, com desenhos bem talhados e com detalhes em dourado. Em cima dela havia uma taça, inundada de um inominável líquido. Nada havia de definido em sua imagem, pois ela transformava-se, pouco a pouco, mudando tudo em si. Sua textura, cor, e forma, como uma boate agitada vista de trás para frente, em câmera lenta.       
Sobre a mesa e tudo de nós, havia um alto teto de vidro. Sobre tudo de nós, um céu negro, de poucas estrelas. Não me movia. Não por não querer. Mas queria ver aquele cálice mover-se primeiro, queria admirar antes a sua entrega. Não deveria tirá-lo de vista. Sentia, como que estranhamente preconizado, que se eu piscasse qualquer um dos olhos, para mim, ele desapareceria.
Não sei bem desde quanto tempo estava ali. Que fora eu fazer naquela sala sem portas, como cheguei, e quem era o dono de tal festa enigmática?   
Após a mesa, no final do tapete que encobria todo aquele espaço suntuoso como castelo medieval, em uma parede alta como a abóbada envidraçada em seu fim, havia um espelho enorme e majestoso. Ele refletia muito além de minha figura e de minha posição. Além de tudo o que não podia ver de meu outro lado, daquilo que não podia olhar. Fiquei anos e mais anos em frente à mesa. Quando então me deu uma oscilante dor no corpo, aguçada e pontuda, de cima para baixo e vise-versa, e meus olhos que estavam secos, como folhas na estepe, piscaram enfim. Com medo confesso, eu os fechei rapidamente, com temor de que por isso, por minha falha, o mundo desabasse em cima do meu frágil teto.
Não me alterei um centímetro. E logo depois, não percebendo tremor algum de terra, os abrir lentamente. Paulatinamente. E como tudo era por fora estático, como gravura esboçada, meus olhos pareciam tirar fotos a cada grau de abertura. Fotos pequenas primeiro, que pouco a pouco iam crescendo, até estar ele totalmente aberto. Pasme com meu arrepio ao ver a taça, ainda lá, indiferente à minha reação diante dela. Estava ela, sobre tudo de nós, com sua constante mudança. Levantei incrédulo, diante dessa frieza dissimulada da taça, dei uma volta completa na mesa apenas olhando para a taça em todos os seus ângulos, somente pra ela, nada mais. Eu à vi de longe e de perto, quando estava eu distante ela crescia, e a mesa se tornava proporcionalmente menor e quando chegava perto, onde por anos estive, tudo era novamente igual aos meus olhos, parado, sem diferença alguma, a não ser a taça que nunca era igual..
Fui então ao espelho, dando as costas à ela. Então agora estaria, a mesa, a taça sobre tudo de nós, eu e o espelho, em linha reta. Já não podia vê-la sobre a mesa, pois me contemplava, a mim e a todo o meu ser, era um espelho mágico, onde podia me ver por dentro, não apenas minha anatomia, mas meu tudo. Conheci-me totalmente frente ao espelho, sem piscar, sem medo do que encontraria, do era ser eu, do monstro que podia me mostrar. Fiquei, nesta descoberta, anos e anos, até um dia, me virar, e não vi mais a taça em cima da mesa. Apenas via sua sombra, era como se ainda estivesse lá, invisível aos meus olhos.



[Robson W.]



Há fome!





O padeiro tem fome,
O carro tem fome,
O bicho tem fome,
O tijolo tem fome,
A flor tem fome,
A casa tem fome,
A mão tem fome,
O filosofo tem fome de iluminar as carecas das corujas,
A religião tem fome,
A dor tem fome, de doer, de doer bastante.
O andar tem fome do novo, dos bêbados, poetas e loucos.
A saída tem fome de entrar de novo,
O matador tem fome, de filhos sem pais e de pais sem filhos.
O sorriso tem fome, ou de verdade ou de mentira,
O dinheiro tem fome, e come e come,
A criança tem fome, de pular, de pular no espaço.
A necessidade tem fome,
A morte tem fome, de algo que some,
O grito tem fome,
O peixe tem fome na boca do homem,
A curva tem fome,
A queda tem fome,
O homem tem fome,
A estrada tem fome,
O sexo tem fome,
A vida tem não!


[Robson W.]







Um certo lugar-pessoa


Hoje estive lá, no lugar do primeiro beijo. Naquela rua, naquele canto, que tão comum foi para nós. As cadeiras estavam vazias. Cada ladrilho, ordem de coisas, direção de movimentos ficaram sem co-relação com nada. Sem nossas mãos emaranhadas tudo enferrujara um pouco. Pareciam as coisas ali tão sem função.
Estive embaixo de uma lua, no mesmo sol, quase no mesmo dia. Revi os mesmo passos, o mesmo transito em colisão, o erro na curva de teu rosto, teu olho no meu como se meu fosse. Permiti te rever, em mim mesmo. Eis que o mesmo sentimento enganado voltou aqui pra perto, batendo em mim, forte, mas sem gravidade, como algo que não foi criado; olhando-me como amigo abandonado, disfarçado de novo amigo pra reatar-me neste reencontro.
Pus-me com olhar de estrangeiro repousado numa rua, noutra região.
Que lembra uma terra natal, mas que bem sabe que nada do que passou é seu. Parei minha vida, deixei de respirar, nem sabia quais eram meus planos, enquanto ali parado.
Seria demais se dissesse não saber mais em que creia eu; seria demais. Seria demais até dizer que rosas não tinham mais teu bálsamo.
Se falasse do céu e do mar seria piegas e enfadonho demais para algo tão simples e de excitante explicação. E dizer que poderia viver sem ti pelo resto da vida; seria demais.



[Robson W.]




Conto do frágil Ser

Cai o ovo no chão. Depois que aconteceu a queda da mão abriu-se nele uma pequena fenda, por culpa do duro chão de barro socado.
A menina depois de uma reação digna de uma malabarista, fica totalmente estática junto à parede. Incrédula, imaginativa e tristonha. Sua tristeza escorre devagar pelo canto dos olhos. Doze anos; franzina e inacabada qual uma de seis. Sua barriga tem o tamanho de um feto com pernas e coluna já definidas. Engravidada por um moço grande, bruto e forte, um homem de verdade.

"O ovo da vovó!", pensa.
-“Filha, achou ovo?” vem do quarto (vão, espaço para dois passos longos) a pergunta, numa voz de boca costurada.

-“Já vai vovó!”
Abre a geladeira. Não tem mais nenhum ovo.
“Geladeira não põe ovo, poderia pôr, como em casa de gente rica”. Pensa angustiada.
A geladeira não tem nada, só ferrugem e uns pedaços de cenoura congelada. Essa é a função da geladeira, congelar cenouras e línguas. E não ter ovos, claro. Rói a unha roída, tirando e chupando o caldinho de sangue. Sentindo um gostinho bom de si mesma.

-“Filha, tem gás?” range a avó que teve força na vida pra fazer de tudo.
-“Não, tem gás sim!” Diz pra avó. “Não tem gás.” Balbucia baixinho.
“Deixa que eu vou ai pra te ajudar... ai!”
“Não, não vó, a senhora tem que ficar na cama (colchão usado com cheiro de suor eterno). Eu já...
O ovo começa a se mexer na cabeça da menina. Rolando bem na sua frente pelo chão irregular, detido enfim no pé do fogão sujo de graxa. Ela olha fixamente para ele. Olha com tanta curiosidade, que o ovo some e reaparece varias vezes da sua vista. Tem-se então um pequeno estalido, quase surdo.

Ela dá dois passos para frente e se agacha perto do ovo, deitando infantilmente seu feto entre as pernas marcadas de feridas e pequenos arranhões. Se chegasse um pouco mais pra frente, poderia se dizer que ela o tinha posto.

Coça a cabeça e solta um pequeno peido (tímida flatulência) de nervosismo (fome).
“É um pinto! Um pintinho nascendo!” Sua tristeza se transforma rapidamente numa alegria ingênua. Mas se contem, falando bem baixinho e rindo com um som vindo do desejo de ser criança. Seus olhinhos remelentos ficam quase fechados a observar algo para ela tão novo.

“Um pintinho!” Ri fascinada, com a mão na boca chupando os dedos secos e roídos.
- Vó, ta quase fervendo, é que o gás ta muito fraquinho! - diz projetando a voz em direção ao quarto, mas pensando na fraqueza do 'serzinho'.
A menina cutuca a parte já quebrada do ovo, tirando um pedaço da casca. Então aproxima sua cabeça, ficando de joelhos e empinado agora a bunda pra cima, com o vestido deixando mostrar sua calcinha remendada e suja de terra.
Não entende o que acontece lá dentro nem que parte do todo está vendo.
“Será que tem mesmo um pintinho aqui dentro”, reflete (matuta).
-É o olho! É o olhinho dele!” fala com ar de descobridora. - Escorre-lhe no canto da boca um filete de baba, que ela suga devagar. Depois passa a língua no mesmo canto para que não se atrevam saírem outros mais grossos. Tem os movimentos dementes.
Expõe então seu sorriso amarelado, coroando a careta com a suspensão das duas sobrancelhas.
Prepara-se então pra tirar mais casquinhas.
Depois de tirar totalmente uma das faces do ovo rasgou com um palito queimado que encontrou no chão o envolto vital que ainda separava a ave do ar.
Os olhinhos lá dentro começaram a piscar de saudade. Piscando devagar para não perder nenhum momento. Olhando tudo aquilo que começava a entender agora em seu redor.
Algumas aves são feitas pra voar alto, outras apenas andam ciscando a terra e dando pequenos saltos. Tem os tipos velozes com passos largos e desajeitados. Algumas chamadas de ave outras de pássaro, mesmo sendo essencialmente iguais. Tem das que nascem sem saber que sua raça é servida como alimento. De umas outras, são arrancadas as penas para enfeite. E há as que vivem eternamente dentro de um cárcere.
Contudo todas possuem uma essência, que não precisa ser perfeitamente entendida ou metodicamente classificada. Sendo até crime isso, por tirarem delas o direto de serem apenas, cada uma com suas características, impares.
Aves sempre podem voar em nossa mente. Mesmo que alguns digam que há determinados tipos de aves não nascem para ganharem os céus. Mas nos matamos para decodificar isso, criando até evoluções.

As aves surgiram para mudarem com as estações e cantarem livremente.
A menina não estava pensando nisso, mas ela espontaneamente se deixou invadir por uma vontade de chorar. Como, de um ovo igual a tantos outros, nascia um ser tão perfeito e único, se perguntou.

Por um momento quis tirá-lo dali. Queria pôr-se no lugar dele, na sua conchinha; e depois uniria as casquinhas que não eram dela para sentir o que ele sentia. Seria proteção, incerteza, ansiedade, medo?
A avezinha continuava a piscar suas penugens esbranquiçadas, sentindo com a claridade que vinha de fora um cansaço dentro de sua casca forte. Começou a lutar mais uma vez.
Poderia por mais um pouco ser forte. Tinha um mundo lá fora que não teve oportunidade de a conhecer ainda. E de onde vinha a sua respiração, saiu um visgo translúcido. Era o ultimo vestígio de seu próprio ventre. Queria poder olhar mais uma vez para sua menininha. Era injusto não lhe darem forças pra falar uma ultima vez.
Mas não se acomodou, apenas desistiu de querer entender tudo.

[Robson W.]






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Escuro dentro da mente



Escuro, dentro da mente.
Atrás da casca que me cobre as imagens,
Escuro.
Pés de lama, sujo, dentro do vaso claro, emporca tudo.
Não existe nada que diga como meu?!


Que possa dizer:
- ei... ei, ei você... está vendo isto... é meu!
Mas nada, da imperceptível matéria ao universo, nada.
Nem o caldo que sobra da lavagem dos membros,
nem o grão que retiram do encolassamento dos astros?!
O que é meu e ninguém me tira?!
O que não se espanta?!
Não se troca, e aborta antes do fim.
Talvez a precipitada visão do que não é de ninguém.


As barreiras redobram e recuam,
E eu não disse nada,
Eu mesmo, não arrisco falar.


Não influi muito saber o que é 'desprovido de provimento'.
E o que é meu?!
A estrada não é minha, mas ando.. é meu o meu andar?!
possivelmente não é meu o meu andar, é da trilha que desenho..
O caminho me retém e me larga.. me retém e me larga..
Nem é meu onde vou,
é de quem quero estar!
Sou de quem quero estar?!
Não sou o vestígio dos meus desejos,
mais sinto o fervor daquilo que me arruinaria.

Escuro.
Escuro atraente, e verde-limão.


Já não sou quem sou.
Me lavei, me passei, me arrumei num cabide bacana de ferro,
fui na ponta dos pés, e me pendurei criteriosamente no fundo do guarda-roupa,
entre as camisas com tons gentis de vermelho e as bermudas xadrez.
Acima dos sapatos de festa, a frente das gravatas, acessórrios e quinquilharias danificadas.
porque é escuro, dentro das idéias,

e me arquivo segundo após segundo.
Arquivo e amostro, arquivo e amostro..

Trazendo algo novo aderido a mim, desde baú incólume de pretensões.
Para alguém achar,
para alguém saber,
e testemunhar o descobrimento de algo em mim sendo seu.




[Robson W.]