20 de dezembro de 2010

Dará tempo ...


Que estou fazendo aqui?
Desimportante.
Não, ele não vai me satisfazer em nada. Eu... ah! Que tempo jogado fora
já se foram 20 segundos.
Fale pois! ... Fala o que é!  
...
Me aborreço com esses pontinhos sabe. Tá bom, como for... re-ti-cências! Mas não passam de três pontos!
E pensar que ele já está fazendo outra coisa, e eu nessa, lendo, praticamente, nada! E eu aqui, nem sei se decodifico isso ou me ouço.
Eu bem que poderia estar em outro lugar!... Não me agrada em nada esse tipo de passa-tempo.
E outros já estão noutro negócio. Quantos aprendem línguas.
E quantos deles viajam o mundo.
E destes, quantos cruzaram por mim?
...
Ai esses pontos! ... Ah, são pontos mesmo! Pontos e pronto!! ... pontos improfícuos de expectativa. Que seguem o que vejo. Eu leio e sou, e não faço outra coisa.
E eu ainda aqui... um minuto!!
E meus filhos crescendo, na idéia dos filhos que gostaria de ter. E minha mãe morrendo, e eu não lhe perguntei se ela realmente amava papai ou se acomodou naquilo tudo. A árvore que plantei, foi cercada pelo muro alheio. Ela me olha e cresce, e acena pra mim.


...


Não quero ficar aqui... mesmo,  vou embora!


...
Parece que já perdi o bastante pra ir antes do fim.
Existe algo que me faz ficar nos cantos, e as pessoas vão passando; eu com tantas coisas pra fazer, e paro, e fico olhando, e deixando perder, perder ... o que?! ... E se a melhor vida for a que olhamos?!
Caminhei. E  casa continua sendo fácil de escrever, entender e desenhar.
Parto, agora, e dará tempo...
Já perdi o bastante pra ir antes de entender alguma coisa. Agora talvez, melhor seja o “se deixar levar”.
Quanto tempo faz que não falo com...
Que bons tempos!
Parece que a gente não faz nada de mais quando se faz com prazer. Talvez precise de mais prazer... É!
Já me perdi sobre o que esperei aqui. Tantos discutem, concorrem, glorificam... se amordaçam.
Tudo que está na minha mente não sei falar. Coisas, gestos, cenas sem título. Penso ser menos do que sei, e bem menos ainda do que não sei.
...
Ouh!
...
Três engraçados rostinhos sorridentes!






[Robson W.]

17 de dezembro de 2010

Há algo em nós, que se te falasse...




          Se te falasse o que é, se dilataria pelo ar. Não cabe mesmo nas frestas dos precipícios, nem em nenhum compartimento, ou cela, ou em qualquer lugar que caiba algo. O escorpião desértico imobiliza a presa mais terna, de consternação, a atinje e a ama, sim, durante a menor fração possível de vida antes que ela desfaleça - há algo em nós que desenriquece nosso coração; e se falasse de que se trata, se proliferaria por entre os povos. Não sai de nossos poros; mas é tão seu, e meu, que nos tem como genitores.

         Passamos duas vezes pelo caminho do amor, e não olhamos; três, e não vemos; quarto, cinco, em vão. Existe uma inferiorização que damos a nosso espírito, que certos caminhos de amor se ocultam diante de nos.
         O escorpião não sabe mais porque se protegeu usando um ataque tão mortal; o doce animal só lhe cheiraria a negritude da casca. Talvez lhe levasse nos ombros para altos vôos, se fosse ave, ou o levaria para outros mundos se tivesse boas patas. Existe algo em nós, que não se permite ir muito além de dois passos à frente. E se te falasse o que é, violaria o que ainda existe de indomável na terra. O gentil animalzinho tem ainda um resfolegar breve e inconstante, e é chegada a hora da rendição da alma. Há algo em nos que se perpetua na vastidão das coisas; partes essenciais do nosso ser compactuarão com o eterno; e sem nossa gentil vinda, este mundo não seria o mesmo mundo.
          Enquanto isso, o viril artrópode esconde-se sorrateiramente entre os buracos nas rochas,  atrás de arbustos secos da vegetação nativa. Há algo gritante em nós que nos desabita. E se te falasse o que é, você se conheceria rápido demais.


[Robson W.]

13 de dezembro de 2010

Faíscas na escuridão




 No início do dia estamos num lado infinito do universo; à noite no outro. Extraviados nesta boleada prisão gravitante. Saímos de nossos casinholos, desentocados; controversos.  Convencidos de que somos um resultado extraordinariamente digno da natureza. Convictos de que, um passo torto ou ao passe de mágica voaremos órbita afora. Nossos prazos estão em constante prorrogação com o que damos de tempo para nos mesmos. E ainda assim, estamos colados no mais distante de algum final que acaso existiria. Aqui, não somos capazes de vôos autônomos; fora de onde vivemos, é possível. Podemos respirar onde estamos; fora de onde vivemos tudo pode ser asfixiante.
 Obtivemos nossa vivacidade fosfórica divinizada. Assegurada por tudo aquilo que não atingimos; aquilo que existe fora de nós. Imodestos por sermos filhos ou criação de algo elevado e inalcançável, contidos a própria incapacidade que há diante de tudo. Daquilo que há de mais oculto, só nos chegam faíscas... na escuridão.


[Robson W.]


9 de dezembro de 2010

Teus olhos como consolo





Seus olhos eram duas civilizações brilhantes;
E ainda são, já que permanecem inextintos e infalsificáveis na minha frente, como lagos.
Transpondo o tempo que gostaria de revelar.
Imoladores da matéria.
Interessado, para mim, adentrar era fácil; remover-me, admirável.
Lenteava toda minha novata mundividência.
Cristalizava-se, naquilo só. Imaculado nas próprias represálias; olhos, mais que vista; que presságios do que está à frente.
Olhos, mais que o mundo afora.
Um par de algum ente com trancas;
Quando pisco, ainda existem; infringindo o que noto, insistem.
Minha mundanidade amofinada rebentará, se destrancados; presumo. Me verei no obscurecido do que restar; Juvenecer por fim.
Apesar de tudo que não são eles, não terem capacidade de sê-los; tudo que não são eles, são, como consolo, menos perdidos.
Olhos teus, boa parte de tudo que querem encontrar.
Vãos teus, algo escavado e esquecido. Parte sua; só peça sua.
Somente olhos, destroços do que seria algo.
Olhos, onde deveriam haver cacos.
Além do que via, olhos; maiores do que sei.



[Robson W.]

8 de dezembro de 2010

Traço do coração


Você se sente comparsa de tudo que acontece?
Aquele amor era seu.
Você não o agarrou entre os braços somente porque ele não desceu numa nuvem.
Achando ser o melhor aquele que chegasse como o mais belo e compatível.
Não espere que a tempestade apareça para se perguntar onde estava o sol. O feriado não é teu único dia livre. Seus passos já estarão no paraíso quando você começar a acreditar em sua existência. E ele será da forma que você sempre imaginou quando entrares no recinto desejado.
O lugar que sonhamos não tem portas nem nada que foi criado pelo homem. É mais simples que os códigos, e mais confortável que a maior das tecnologias. E nem repousaria mais longe que o nosso lado.

Há de se sacrificar sim. Tirar as vestes e recriar-se da nudez absoluta.
Mudar um gesto envelhecido,
qualquer que seja,
é equivalente refazer toda uma nova trajetória.
E para alguns, este é o sacrifício mais indesejável de todos.
Mudar o erro que mais amamos.



[Robson W.]

4 de dezembro de 2010

Ascender-se


Fumei uma pessoa, todinha, dos dedos a barriga, antes de ontem. Enquanto a sugava, ela me olhava com tristeza de despedida.
Transformei seu ser, pouco a pouco, em cinzas. Sua cabeça foi ficando vermelha de desejo, depois de certo tempo de tragada. E seus braços brancos ferviam em agonia. Mas era tão bom sacrifica-la, baforadas anunciantes. Depois que se fosse totalmente, o feito se tornaria quase preciso.
Era bandido tal ser, nem merecer viver queria, então, foi meio desejo da mandante, outra metade querer meu. Ela me deixou ser seu ultimo dono; fui comprado no início, mas depois de um segredo fiz o trabalho de graça. Fiz sim, este prazer imundo. Diria até: - que transa perfeita tive antes de ontem! Uma transa de dedos e boca. Tudo durou alguma vida, um pouco de tempo jogado fora, nada mais. Seus pés na minha boca, pequenos e balançantes. Depois da gozada, no fim de uma atrasada baforada, eu a depositei na terra, fiz uma barriguinha de cova e uma cruz acima com o dedo. Que tragadas dei antes de ontem! Que tragadas!



[Robsn W.]

Assombro Vital


Os que não ouvem invisíveis correntes arrastando-se em gemidos, também não ouvem
gemidos arrastados em correntes divisíveis.
Os que não vêem mãos ensangüentadas em baixos muros de casa abandonadas, decerto
também não enxergam altos muros com mão molhadas e mãos abandonadas.
Os que não sentem algo a bater na porta depois da meia noite
não sentem a batida de algo sem porta durante as mesmas noites.
Enfim, é admirável o perpétuo próximo ao fim.
Pois ter uma vida não é tarefa fácil.
É como se, ao nascer você, ao mesmo tempo carregasse em si um feto insano.





[Robson W.]

TeVe



Vou desligar isso,
Teve é uma loucura,
Preciso saber a verdade
do que há na rua.
Se eu não amasse,
ao ver atração sua.
Se eu não desprezasse,
toda sua conjuntura.
Te ver é uma loucura.
É ter visto, somente.
Desligar sim,
Para angustiar-me na realidade nua.
Antes,
que perca a mente
Antes,
que eu não seja.
Antes,
que não haja controle.
Antes ,
que de mim não flua.


[Robson W.]

2 de dezembro de 2010

Pássaros por mim


Às 04:37 os pássaros me acordaram esta manhã.
Onde estiveram às 04:30 enquanto ainda sentia a noite densa?
Viram-me a trocar a roupa;
a lavar a face;
a preparar os pés;
a engomar a alma;
a gritar meus soluços; a esperar as horas;
a levantar a cabeça, a cavar os 'Bom dia!';
a recorrer aos atalhos;
a brindar os amores;
 a esquecer os passados.
Às 05:00 sei que eles me esperarão nos postes, pois sabem onde tomo minha condução.
Acompanharão meu trajeto como querendo aprender a andar.
Pelos cantos ficam a observar meus movimentos; observam meus centímetros, interessados na maneira como uso meus braços; como roço a boca em sinal de agrado; Em como me locomovo analisam intrigados, por estar solto pela gravidade.
Na biblioteca, ao lado da praça, me vêem ler os artigos, as revistas; e a vê-los retratados.
Observam-se nas folhas debaixo das árvores.
Nas frutas jogadas no chão,
nas laminas flutuando nas poças;
Escoltam meus olhares atentamente fixos nas pernas dos outros;
na cabeça das casas;
na pontinha das telhas;
na vontade do vento;
no interesse rio;
no vasilhame abandonado.
Andar sem parar todo dia; voar sem andar é o alvo.
E volto de onde vim; por onde cheguei; entretanto por um outro caminho.
Sempre deixando novas migalhas, para ter atrás de mim asas que bisbilhotam minha existência.
Pássaros de fazer dormir,
pássaros de janela;
aves de campo e aves de praças, todas em espanto.



[Robson W.]

25 de novembro de 2010

Letras mentirosas


Escrevi um livro.
Quando terminei escrevi outro,
daí não parei mais.
Tive que me considerar um escritor famoso,
Então escrevi outro livro, e publiquei, e fantasiei;
menti;
me enganei;
Daí para eu enganar os outros foi um pulo.
Ah! Se tivesse posto no papel meu primeiro livro,
não estaria nem escrevendo isto.


[Robson W.]

Grãos de perto


É preciso ser produtor de grãos.
É preciso tocar na terra;
e deixa-la molhada.
É preciso olhar nos olhos;
e faze-los enormes,
pra mostra algum contato.
É preciso sair pros cantos;
viver os outros,
e tira-lhes o amargo.
É preciso escrever um pouco;
fazer tudo de novo;
e remodelar-se.
É preciso ver os filmes;
sair pro mundo,
que se vê distante.
É preciso ir longe,
e se ver de perto.


[Robson W.]

Indicações do saber amar



Quando te vi pela última vez pensei que não daria mais.
Não me encontrei na rua.
Não cambaleei meus passos, mas,
que rua era aquela?
Não senti descer nenhuma gota secando no chão,
mas, que rua era aquela?
Não me senti só, posto que nem me encontrei.
As arvores não tinham sombras. Ao menos, não as sentia.
Era tudo quente demais.
Não sei escutar a solidão.
Até a recebo em minha casa, mas não a abraço.
Não articulei nada.
Fiquei quieto, deixando o vento me atropelar.
Mas não o sentia.
Estava quente demais pra sentir qualquer coisa.
Que rua era aquela? E as tuas sombras? Teus galhos? Tuas folhas?

As costas não se voltam para nós, nós que olhamos para elas, e por isso, a vemos indo .
E sei que quando não se voltam é porque não querem voltar.


Mas eu estava ali, naquela rua.
Que rua?
Algo parou pra me olhar, desinteressante.
Eu sei que falavam de mim.
Alguns dizem coisas boas. Outros apenas preferem não se envolver.
A não ser com seus cristais.
Mas eu? Eu estava lá. Eu me vi de fora.
E só agora que fui me encontrar.
Eu não sei amar.
Nem me achava capaz de aprender.
Mas quando te vi pela ultima vez,
pensei que era tarde demais.


[Robson W.]





Noite velha

  
         Durante toda a madrugada chovera. Houvera um interminável estalido noturno. Chuva grossa e forte; água que mata e morre chegando ao chão. Por força de expressão era dia. Mas nada havia de claro. Já passara das sete da manhã, mas a negritude não se dissipara. Já deveria ter ido aveludar outros cantos da terra.
         No andar  abaixo ao meu tossia uma senhora, tossia muito mesmo. Caturrava, gruía, vomitava, calava-se, e voltava a repetir tudo aleatoriamente.
Ela poderia morrer a qualquer momento, não que desejasse isto, mas sim, poderia. Queria poder estar do seu lado, deitar no outro lado da cama e escutar de perto ela se esvaindo. Não vejo nada de sinistro nisso. Mas digamos que fosse a hora dela e não pudesse eu fazer absolutamente nada. Queria poder ver a tosse calando o seu pequeno coração, batendo um pouco menos de saudades. E ver enfim, como se comporta alguém no segundo final, em seu último olhar de vida.


[Robson W.]

Ps: Os contos do Poe vem me tirando do eixo, me assusto com isso. :]


Brutal visão

          
           Esta noite tive um sonho estranho. Estava eu em um sinal, dentro de um carro, com ele parado. Eu me encontrava no banco do passageiro e quem dirigia o carro eu não sei. No entanto conversávamos muito, sobre meu futuro e minha vida, como ela seria mais para frente. Também sobre as decisões que teria que tomar e tudo relacionado a isso.
          O carro estava parado como disse, mas não havia outros carros ao nosso redor, apenas o sinal estava fechado, fechado estranhamente com o semáforo brilhando na cor verde. Não me pergunte o porquê, você deve saber como os sonhos são esquisitos. Mas sim, de repente, percebi que se aproximavam dois rapazes - ao longe - mas sabia pela silhueta e vestimentas que eram homens, e pelo andar se mostraram jovens eles. Continuei então a conversar com o motorista do veiculo que estava. Mas os homens estavam vindo em direção ao nosso carro, que ainda continuava parado, e comecei a descobrir como eram suas faces, e não eram agora tão jovens como aparentavam serem de longe. Tinham na faixa de uns vinte e oito a trinta anos.
            Seus olhares que continuavam na direção do carro, pareciam me conhecer, ou talvez o motorista. Chegaram mais próximo, eles não tinham andar apresado, eram moderados e objetivos, andar dos que buscam muito algo, muito parecidos com o meu alias. Estavam eles agora a uns sete metros de distância, essa era a distância necessária para que suas almas me atravessassem. Dessa distancia me assustei, pois já aparentavam ter uns quarenta anos e fiquei já muito atento.  Não conseguia mais desviar a atenção deles. A cada metro que vinham, era por volta de dez anos que neles se acrescentavam. Eu comecei a ficar aterrorizado com uma coisa tão fora do normal, e gritei ao motorista:

- Vamos, vamos, o sinal está verde há muito tempo, podemos ir!
            Mas não havia mais ninguém ao meu lado, e me lembrei numa fração de segundos que eu tinha parado o carro ali, e depois tinha ido para o banco do passageiro. E tinha ficado todo este tempo conversando sozinho, comigo mesmo, pensando que havia alguém ao meu lado. Então os que eram jovens se tornaram senhores e chegaram na frente do carro, agora sim o sinal eu podia ver vermelho; e eles então, com objetos finos como navalhas, avançaram para cima de mim, pelo vidro do carro que estavam abertos. E quando percebi que ele iriam me ferir, tentei fecha o vidro, porém por mais que rodasse a alavanca o vidro não subia, era tarde demais para qualquer reação.

Então cortaram meus braços, meu rosto e minha barriga, com várias “navalhadas”. Eu não gritava nem pedia socorro, pois sabia que estava só, apenas tentava me defender diante da brutalidade, dos jovens, que foram homens, e depois velhos.
Eles por sua vez, tinham sons de animais, em luta e violência, rufavam e gruíam. E seus olhos em nenhum momento de seus atos eram de maldade, eles continham a pulsação da tristeza, como se eles tivessem que fazer aquilo comigo, como se aquela fosse suas naturezas. Quando terminaram eles se foram, abatidos, mas sem nenhum choro ou lamentação. E eu fiquei só, com a respiração forte, adquirindo até um pouco do rufar deles.
            Fiquei um tempo ali parado, com o corpo inteiro sangrando, e então me perguntei:
- Porque tamanha força?! de onde vem essa seiva?!
Não fez sentido aquela minha pergunta “de onde vem?! a força?!”

Então uma voz ao meu lado me disse
- De ti! A culpa dessa força bruta é tua!
Quando olhei para o banco do motorista, lá estava eu, era como se me visse em um espelho com vida própria. Ele também sangrava muito.
- Você tem que saber a hora de ir e o que deve fazer!
E então ficamos conversando, conversando coisas que nem lembro mais.
De repente estava eu no barco do motorista, fui para lá sem perceber, pois mesmo mudando de lado, ainda continuei conversando comigo. Sabe, como carregar um recém-nascido enfermo, ele não percebe qualquer mudança e lugar porque sua pequenez contém pouca vida.
Olhei para o meu corpo, e vi que o sangue havia estancado, deixando enormes cicatrizes.
Fiquei parado, pensando. Olhei para o sinal, estava verde. E quando olhei para a esquina vinham dois rapazes, igual de longe com os anteriores, e uma voz gritou muito alto no meu ouvido, quase me ensurdecendo:
- Vai. É a hora certa para não acontecer, o segundo antes do segundo tarde demais!

E arranquei com o carro, dobrei a esquina, e os jovens, homens e velhos vieram correndo atrás, com sua triste metamorfose. E em todas as esquinas haviam jovens saindo delas, agora em trios, grupos, bandos, em famílias, em seitas, em organizações. Agora não só homens mas também mulheres, todos alterando-se com o passar do tempo. Me senti asfixiado, sem saída;  tudo ao meu redor fatalmente me brutalizaria. Acordei, animalizado.



{Robson W.]

24 de novembro de 2010

Cão bêbado

          
            Vi o cão andando na rua; balançava o corpo ensopado de chuvinha rala; cansado. Rendido pela madrugada; já nem suspendia o rabo bêbado. Cão de rua, cachorro do mundo, balançava cambaleantemente suas pernas finas. Andar desconcertado, andar tremulo, típico de cachorro de pêlo marrom, produzido na mestiçagem das ruas. Ninava sua fome de dia a pedir; ninava-se pela madrugada; suportava ainda seu corpo de cachorro quente depois de um dia ensolarado.
E da noite caia a fina chuva, pressagio de forte tempestade nesta região do planeta. Vinha ainda o animal, relutando-se com seu destino de cachorro, desviando de motos e pneus de gente sua bundinha magra e nada sedutora. Exausto de sua longa jornada de atravessamento de ruas, entranças em lixos, procuras de restos. Não procurara ossos, isto é coisa de gibis e propagandas para animais domésticos. Propagandas de biscoitos caninos em forma de pequenos ossos para engasgar gargantas. Caçara carne, restos de carne.
Não procurara afeto, afeto de gente; isto era coisa para animais domésticos também; encoleirados ancestralmente no habito de cheirar a xampu anti-carrapato. Carinhos na cabeça, nunca lhe deram; somente chutes e caretas, coisa que às vezes achava até graça, mesmo sem ter sorriso para demonstrar.
            Que fazia na rua um cachorro quente deste, numa hora desta; para onde iria; e sua mãe? Mas bêbado que um tonel de cachaça; Desequilibrado, com o respirar atravessado. Pobre, doente, sem parentesco; sem planos para o dia seguinte, sem festa para comemorar aniversário; urfando, como quem sabe que cairá no canal bem à frente e morrerá pela ultima vez.
            Encosta na beirada do canal para descansar as finas patas a feder mazelas. Deitou seu corpo na beirada frágil como quem sabe que cairá e morrerá, mas nada pode fazer pelo seu destino. Encostou sua cabeça na pedra solta, que estava à espera de rolar a qualquer momento, e matar alguma coisa antes de se afogar na sujeira de desconhecidos. Apoiou seu rosto, fungou algo misterioso, e rolou canal abaixo.
            Não retornou mais a superfície. Apesar de o canal não estar totalmente cheio, não voltou a olhar outra vez o mundo. Não quis, não achou que veria um outro mundo se tentasse lutar para viver; foi um quase consentimento entre a profundeza das águas sujas e aquela carcaça viva. Antes de seu ultimo instante cego de vida ousou pensar: haveríamos de nos unir.


[Robson W.]


23 de novembro de 2010

Vida de lã


           Minha vida é curta, pois tem apenas três segundos...
            O que passou. O que eu estou. E o que virá. O que passa anda atrelado em minha lembrança, que diz: Sobrevivi!
            O que estou, é o que me torna vivo e em eterna dependência,
            E o que virá, é o que deixa a mais incoerente de todas as saudades. Saudade precoce daquilo que nem se viveu ainda. A saudade do que se vai um dia, para sempre.
            O segundo - passado, eu posso construir, como um novelo de lã que deixo pelo caminho. Eu determino como eu quero seu trajeto, mudando da minha maneira, porém, com apenas uma chance para essa mudança; não por inexistir possibilidades - ao contrário, há várias - mas por ser um momento único, um único segundo. O segundo-futuro, este sim, eu não posso modificar, pois é dele que eu recebo a linha do novelo, bruta, como me é dada. O passado é certo(menos a compreensão), o presente é tudo, e o futuro é indeterminado. O depois é o único segredo deste jogo perfeito, e o antes é o verdadeiro sonho que nos guia em frente.
            Quando esta linha chega em minhas mãos, eu não a posso modificar de imediato, pois corre o risco de ela ser cortada – desastradamente - por mim.  Coloco então minhas mãos no passado, e então sim, transformo-a da maneira que quero que seja e fique em minha mente, como lembrança.
            Não se pode arriscar mudar o presente, pois é muito perigoso. Nem o futuro, pois é incerto e misterioso, não se sabe quando a linha lhe será cortada, nem que te fornece.
            Que contra-senso tudo isto; ou o reverso. O que existe nas minhas costas também olha diretamente minha face.


            Belo e aflitivo novelo de vida bruta. És imenso de tal maneira, que nem sei o que faço contigo às vezes. Talvez, não haja fornecedor. Será criador e próprio novelo? Pareces estar sempre entre minhas mãos entrelaçado; rodeando estes minutos que sequer vejo como reais. Ciclo, que não sei onde começa nem onde acaba. Como o horizonte, em que suponho outras existências.
            Três segundos, apenas. Sim, daquilo que encontrei criado, uso apenas isto para viver, três trêmulos segundos.
            Já que há escolhas, prefiro acreditar que este tudo existe. Independente da forma como tudo vem a mim.


            Faço então com minhas mãos desenhos nesta linha. Uns pequenos e outros grandes - lembrando que quando a ponta inicial do novelo lhe é dada, você não sabe o que - nem como - desenhar nela. Entretanto com o passar do tempo você vai aprendendo e aperfeiçoando, por si só, ou observando outros desenharem, colorirem e enfeitarem seus novelos. É triste para alguns saberem disso, mas: Parte de nós vive o passado sempre.
            Sei que há uns que cansam a todo o instante de fazerem isso. Outros, julgam divertido e prazeroso. E há os que simplesmente decidem parar. Em meus segundos-passados, tudo que foi feito, foi feito da cor que quis, da forma quis, com as falhas e adereços que quis colocar.  A ultima e eterna fração do presente, portanto, não é começo de uma lembrança, é fim. Pois esta curta vida de três segundos, ocorre inversamente do que uns pensam. E sempre que quero recordar o que fiz há muitos segundos atrás, paro - sem que o fornecedor perceba - e volto a linha do novelo como uma fita, até a parte que quero rever. Porém em algumas partes não há como ver mais o que fiz, ou por não ter feito direito, ou porque fiz sem dar importância ou porque fiz propositalmente de maneira pra não poder presentemente recordar.
            Há um outro importante detalhe, não posso pôr os meus pés no segundo-futuro, meus pés estão sempre no segundo-presente, e minhas mãos ininterruptamente trabalhando o passado. Não se pode fugir a ordem natural das coisas, portanto se você parar de construir o passado, o tempo pára também, não lhe é dado mais novelo bruto. A vida são três segundos que não param de acontecer... tão rápido e brusco, que é natural que a enxerguemos de uma maneira diferente. Pasmem, mas nosso pensamento é lento – ou sonhador demais - para perceber a vida desta forma.
            E cuidado! Pois às vezes - como já aconteceu comigo - lhe dá uma súbita vontade de puxar a linha, pra ver logo quem é o misterioso fornecedor, mas os que puxam a linha, na verdade são puxados por ela, porque ao contrário do que parece, a linha não vem, ela sempre vai. Você tem sempre que está em movimento com o tempo. Não é uma força inerte nem  continua, e sim algo que te puxa suavemente, e você têm sempre que estar atento pra não colocar força demais, nem de menos, pois pode ser tragado pelos segundos que te cercam.




[Robson W.]

Por desamor a mim


E se por dentro dessas águas não encontrar nenhuma mão?
Qual vazio existe, entre as escolhas que fiz pra que não sofressem por mim, e a minha própria felicidade?
O vazio da incerteza?!
Até quando poderei viver sem amor?
Esse ar que seguro para não cair de joelhos, que me asfixia dia a dia.
Sei que tenho me agüentado muito pra não chorar.
Também para que não explodisse; saindo de mim, um pedaço de palavra pedindo que reconsiderasse minha loucura.
Já alguém que me compreende minha insanidade, me perdoa, pedindo perdão, doe como a verdade de que realmente serei um pouco infeliz.
Pedindo-me perdão por ter me amado; por ser mais forte que eu; mais afortunado e corajoso por deixar de amar pra seguir a vida.
Queria que me odiasse, pra que não sentisse culpa e pena de mim mesmo.
Para que ao menos fosse um complicador de vida.
Queria ser um criminoso dentro de minhas próprias paixões.
Ser chamado: de safado, depravado e imoral.
Já tentei fingir que era, mas, me encontrei depois diante do espelho, que nem por bondade me escondeu quem sou. Um completo mentiroso.
Maldito espelho real.
Quero ser dilacerado pela flor que brotar no meio de uma sala desocupada.
Ferroado pelo instante inicial que arde da caótica existência.
Por desamor a mim, nunca me peça perdão, dói demais.



[Robson W.]


Jornada Infinda


Vai João, vai Maria
Entrega esse tesouro
lá na casa de tua Prima Vera.
Ei João, ao ires intimida!
E faz germinar de ti o brilho
para alumiar,
jornada infinda.
Maria, não esqueça
quem tu és.
Esse mundo é crespo,
mas lembre sempre
está somente,
sob teus pés.
Vai João, vai Maria
Esquece o tempo
que passou,
e lembra que tudo
é roda viva.
Rei João, é tudo escuro,
E assim como as aves
podem guiar teu amanhã,
poderão também elas,
invejar o teu futuro.
Maria,
não pare até chegar,
não deixe vestígios,
Canse Maria, mas não morra no cortejo.
Ousarão na ida sufocar desejos?
Não se calem, nem gritem,
não voltem,
não voltem,
não voltem, repito!
Se a noite chegar,
prestem os dois atenção,
E havendo estrelas no céu,
Saibam, é tudo ilusão!
O real está dentro e perto,
ligeiramente absurdo.
Vejam, há como contar
com a mão, os cacos que
estilhaçados,
arruínam o mundo.
E se hoje você quis tanto e não deu,
após tentar planar, caiu
pelo vôo que morreu?!
Deixem tudo ser pó,
permitam tudo ser seu.
Só não perca o tesouro,
João e Maria,
que guardei, bem dentro,
quase oculto,
nos olhos teus.



[Robson W.]

Quereres



Quero tudo aquilo que me é privado,
Além deste aquilo.
Quero amor sem gorjeta.
O amigo mais estranho.
O sexo mais impossível.
A posição menos cômoda...
Sim, falar no palanque
a ousadia que é viver!
E os risos ao acordar...
sem prendê-los ou comedi-los..
no pé do ouvido, no pé da cama,
de novo,
eterno e explosivo..
Cansei de ser menino,
de ser adulto,
ser velho,
Quero ser um pouco mais criança.
Voltaria a ter medo de filmes de terror,
cair da bicicleta sorrindo,
E rir ...e rir pro infinito.
Quero ler o que me dão.
Quero ver as palavras...
Como saindo de um sonho.
Caindo... caindo...
E do amável mais venenoso...
extrair o meu combustível...
Quero meu sonho oculto de cabeceira.
O devaneio que devemos realizar.
E a risada de antigos parceiros.
Os gritos;
corridas;
estalidos.
A festa;
O lampejo do primeiro beijo.
A delícia do primeiro crime.
O encanto noturno de ser louco...
E... ah! bebedeiras de manhãs.
O dia chegando e o mundo indo.
E o suspiro,
na praia,
já rouco.



[Robson W.]