24 de novembro de 2010

Cão bêbado

          
            Vi o cão andando na rua; balançava o corpo ensopado de chuvinha rala; cansado. Rendido pela madrugada; já nem suspendia o rabo bêbado. Cão de rua, cachorro do mundo, balançava cambaleantemente suas pernas finas. Andar desconcertado, andar tremulo, típico de cachorro de pêlo marrom, produzido na mestiçagem das ruas. Ninava sua fome de dia a pedir; ninava-se pela madrugada; suportava ainda seu corpo de cachorro quente depois de um dia ensolarado.
E da noite caia a fina chuva, pressagio de forte tempestade nesta região do planeta. Vinha ainda o animal, relutando-se com seu destino de cachorro, desviando de motos e pneus de gente sua bundinha magra e nada sedutora. Exausto de sua longa jornada de atravessamento de ruas, entranças em lixos, procuras de restos. Não procurara ossos, isto é coisa de gibis e propagandas para animais domésticos. Propagandas de biscoitos caninos em forma de pequenos ossos para engasgar gargantas. Caçara carne, restos de carne.
Não procurara afeto, afeto de gente; isto era coisa para animais domésticos também; encoleirados ancestralmente no habito de cheirar a xampu anti-carrapato. Carinhos na cabeça, nunca lhe deram; somente chutes e caretas, coisa que às vezes achava até graça, mesmo sem ter sorriso para demonstrar.
            Que fazia na rua um cachorro quente deste, numa hora desta; para onde iria; e sua mãe? Mas bêbado que um tonel de cachaça; Desequilibrado, com o respirar atravessado. Pobre, doente, sem parentesco; sem planos para o dia seguinte, sem festa para comemorar aniversário; urfando, como quem sabe que cairá no canal bem à frente e morrerá pela ultima vez.
            Encosta na beirada do canal para descansar as finas patas a feder mazelas. Deitou seu corpo na beirada frágil como quem sabe que cairá e morrerá, mas nada pode fazer pelo seu destino. Encostou sua cabeça na pedra solta, que estava à espera de rolar a qualquer momento, e matar alguma coisa antes de se afogar na sujeira de desconhecidos. Apoiou seu rosto, fungou algo misterioso, e rolou canal abaixo.
            Não retornou mais a superfície. Apesar de o canal não estar totalmente cheio, não voltou a olhar outra vez o mundo. Não quis, não achou que veria um outro mundo se tentasse lutar para viver; foi um quase consentimento entre a profundeza das águas sujas e aquela carcaça viva. Antes de seu ultimo instante cego de vida ousou pensar: haveríamos de nos unir.


[Robson W.]


Um comentário:

  1. Olá, Robson! O decrépito cão já rolava para o canal desde o primeiro passo de suas finas pernas ébrias. Se o cão é o melhor amigo do homem, quem será pelos cães. Aí de nós homens!

    “Para o legítimo sonhador não há sonho frustrado, mas sim sonho em curso” (Jefhcardoso)

    Gostaria de lhe convidar para que comentasse o meu “A Cruel Vingança De Seu Ignácio”. Ok?
    http://jefhcardoso.blogspot.com de blog em blog.

    ResponderExcluir